A Aventura das Melodias Gastas

08-11-2010

A Aventura das Melodias Gastas

CAPÍTULO I
 
Por outro lado, os reportórios apresentados pelas várias tunas mantiveram-se estáticos face aos últimos tempos, ou mesmo recuperando temas dos respectivos baús de memórias.
 
(in http://www.portugaltunas.com/index.php?s=noticias&id=2760, reportagem sobre o XXIV FITU, de 17 Outubro 2010)
 
CAPÍTULO II
 
Gostava de lançar aqui um desafio, vamos ver quem ganha o mesmo:

A 1ª tuna portuguesa que consiga estrear até ao final de Novembro UM único tema, completamente novo, que me informe de tal feito histórico e o filme para ser colocado aqui, que o "Aventuras" oferece uma garrafa de Porto. É que já mete "nojo" ouvir sempre as mesmas músicas......dasss!!!!!! 
 
(in http://asminhasaventurasnatunolandia.blogspot.com/2010/10/aventura-da-aposta.html, artigo de 18 Outubro 2010)
 
CAPÍTULO III
 
Tem voltado à berlinda, a questão dos repertórios/alinhamentos que são apresentados em certames e demais espectáculos e que, de ano para ano, continuam inalterados ou, então, cujos temas sofrem pequenos liftings - mas que nada mexem no escalonamento.

Por que razão assim sucede? Por que razão andam as nossas Tunas sempre a tocar o mesmo anos a fio?

Serão factores de vária ordem, diga-se:

1º - Os temas vão dando prós gastos e continuam a ser suporte para vencer certames.
2º - A Tuna não tem quem "faça" outros (e aqui não significa fazer originais) ou só pensará nisso quando o desgaste do alinhamento a isso obrigar (o que leva, pro vezes, a longas travessias no deserto).
3º - Acomodamento ao que está feito e receio em voltar ao "sofrimento" de laborar novos temas - e todo o trabalho desgastante que isso dá (e para quê, se o actual repertório está sabido e dele ainda se tiram dividendo?).
4º - O grupo mantém um núcleo fixo o que não impede a execução (e os que entram, entram na onda), até mesmo dos temas mais complicados.
5º - Os Júris de um mesmo certame vão rodando, pelo que mesmo apresentando os mesmos temas na edição seguinte de um festival (ou 2 ou 3 edições depois), não se corre o risco dos jurados acharem "mais do mesmo".

São alguns dos factores que levarão a que um mesmo alinhamento dure mais que pilhas Duracel. Obviamente que quando ele é muito bom, não nos cansamos de ouvir repetidas vezes............... mas há limites. Uma coisa é dar para tournés de 3 a 4 anos (e já é muito), outra é, passados 5 ou mais, voltarmos a ouvir a mesma Tuna com o mesmíssimo (ou quase) alinhamento.
A pergunta que aqui já fiz (quando abordei o tema do repertório: http://notasemelodias.blogspot.com/2009/05/notas-sobe-repertoriosalinhamentos-ii.html) foi: "Mas o que andam a fazer nos ensaios ao longo destes anos todos? É gira ao disco e toca o mesmo?".

Não haja dúvida que, nos muitos, mas muitos casos em que isso sucede, não consigo explicar para que raio servem os ensaios, se andam 4 e 5 anos, todas as semanas, a ensaiar rigorosamente o mesmo (principalmente quando, note-se, após todo esse "treino" ainda vemos erros e argoladas).
Significa isso que uma tuna deve abandonar o seu repertório passados 3 ou 4 anos?
Não, por certo. Deve é alterá-lo e renová-lo. Os grandes sucessos do passado serão sempre bem-vindos se metidos singularmente (os quais podem ir rodando) no meio dos novos temas.
Pessoalmente, não percebo como as tunas não trabalham coisas novas, enquanto o seu repertório vai rodando.

Considero puro desperdício uma tuna andar anos a fio, nomeadamente nos ensaios, a bater no ceguinho .
Muitas vezes as tunas vão adicionando ao conjunto já rodado, um tema novo. Obviamente que se louva, mas sabe a pouco, a muito pouco, na perspectiva que venho aqui explicando. Renovar deve ser uma aposta contínua e não uma empreitada ocasional. Renovar (também sinal de pujança, e dinamismo) é não ficar acomodado e querer oferecer ao público coisas novas, é estabelecer novos patamares, novas conquistas.......é por a tuna em andamento.

Claro está que os alinhamentos deixam de ser também viáveis, obrigando a renovações forçadas, quando, "subitamente", alguns elementos saem ou se véem impossibilitados de continuar assiduamente. Muitas vezes, a tuna deixa de contar logo com aqueles instrumentistas virtuosos em quem assenta aquele arranjo, aquele instrumental. Outras vezes é o fabuloso solista que deixa a tuna orfã (porque à sombra daquele portentoso cantor, ela se foi esquecendo de preparar alternativas ou a sucessão).
Esta é uma daquelas situações que leva à necessidade de, quando menos se queria, ter de repensar toda a estratégia e, como anteriormente disse, começa muitas vezes aí, a longa travessia no deserto (muitas vezes só terminada quando entra uma nova fornada de talentos- algo cada vez mais raro nos dias de hoje).

Outras vezes é o facto de a Tuna deixar de arrecadar prémios festival após festival, concluindo, com isso, que é hora de mudar.

A saturação dos próprios tunos também é factor que levará à mudança, mas, não poucas vezes, tem de haver um motivo mais forte (como o de não arrecadar prémios durante "demasiado" tempo), porque tunas há onde se nota essa saturação, mas que se vai "aguentando", porque os resultados festivaleiros ainda vão escamoteando o "descontentamento" latente.
O certo é que se nos cria um certo desencanto quando vemos grandes certames que continuam a apostar no circuito fechado, convidando as mesmas tunas repetidamente, as quais, também repetidamente (e ano após ano) vêm apresentar mais do mesmo, sempre o mesmo.
O que é bom é bom, mas à força de insistir no mesmo, não há como evitar o tédio, a monotonia e a sensação que, muitas vezes, são precisamente as tunas de maior renome - e que, por norma, possuem mais "recursos" humanos e experiência, as que menos são empreendedoras neste apartado.

Fossem os Júris dos certames mais ou menos fixos (como sucede com o CIRTAV, por exemplo, com um grupo fixo de 3 elementos e um que roda todos os anos) e certamente que as tunas evitariam fazer mais do mesmo anos a fio, sob pena de serem preteridas na avaliação por outras mais empreendedoras e dinâmicas (conquanto tivessem qualidade,obviamente).
Mas até por consideração ao público que, grosso modo, é usualmente assíduo, as tunas deveriam ter em atenção a necessidade de criar supresa, de mostrar trabalho contínuo.
Pena que os grandes certames não apostem noutras tunas que possam trazer alguma variedade. Quiçá isso obrigasse algumas "habitués" a mudar alguma coisa, entenderem que se lhes pede algo mais do que a eterna repetição até ao tédio.

Se atentarmos, por exemplo, ao caso dos Coros (e já só falo dos amadores), vemos uma diferença abissal, com estes a terem repertórios vastos de Natal, de Páscoa, de música sacra, profana (e, neste capítulo, tendo ainda a divisão entre música barroca, renascentista, popular, etc.), litúrgica, etc. num repertório que ultrapassa as muitas, muitas dezenas de temas.
Obviamente que não têm a componente instrumental, mas é facto que também não têm nem metade, muitas vezes, das actuações que as tunas têm, em que quase não existem certames com prémios a concurso (daí que nem sequer têm esse "incentivo") e, no entanto, estão continuamente a trabalhar coisas novas (depois actualizando os temas que pretendem para determinada apresentação ou época). Raramente se assiste a um coro a repetir o mesmíssimo repertório em edições sucessivas de encontros corais ou de concertos em que participa frequentemente.

Mas nas tunas isso não sucede. Raramente se distingue um repertório de certame de outro que seja para a festa da aldeia ou um outro qualquer concerto ou espectáculo. Não poucas vezes, o repertório principal é "pau para toda a colher" (mesmo que entremeado com um ou outro tema de reserva).
O facto é que a enorme evolução qualiativa das nossas Tunas entrou numa certa estagnação, onde as mesmas vivem dos dividendos.

Vão surgindo coisas novas muito boas, mas continuam a ser fortutitas - não chegando para concluirmos com satisfação "estrearam um repertório novo", "trazem supresa e novidades".

Todos gostamos de ouvir os grandes sucessos, aqueles que povoam o nosso imaginário tunante e que definem, não poucas vezes, a afeição que temos por certos grupos, contudo têm sempre melhor sabor se consumidos ocasionalmente, tal como um bom CR&F ou Conhaque , que só têm aquele sabor se bebidos em ocasiões especiais, e ao fim da refeição; não, certamente, se bebidos diariamente a todas as refeições e a acompnhar todos os pratos.

Seja o repertório como a Ementa do dia de um resturante: mudando diariamente, mas sem nunca esquecer as especialidades da casa, sob pena de enfadar o estômago, enfastiar o apetite ou levar à preferência pelo botequim lá do lado que até nem é tão requintado, mas ofereçe mais variedade, também a preços convidat
O que não falta por aí são temas para adaptar, para incorporar, a par com um ou outro que um qualquer inspirado tuno componha.
Não se fiquem, pois, as nossas tunas, a contemplar o trabalho feito, porque o caminho faz-se caminhando

(in http://notasemelodias.blogspot.com/2010/11/melodias-gastas.html, artigo de 4 Novembro 2010)
 
CAPÍTULO IV
 
Foi alvo de critica construtiva, de aposta até, comentário e pool online, com os resultados mais do que esperados. Até o Notas & Melodias já se lhe referiu. Provavelmente faz algum sentido tentar perceber-se porque razão o processo criativo tuneril nacional se encontra hibernado.

Mais uma vez a memória auxiliou-me neste particular: Recordo, nos anos 90, a Tuna de Medicina de Múrcia, que montou claramente, então, um reportório para durar a vida toda se fosse caso até, ora vejamos: A abrir o pasodoble "Te Quiero", depois "Dos Palomitas", a "Primavera" de Vivaldi, o tema Canário "Maria Va" e terminava com o tema popular argentino "La Banda", todos temas do seu CD datado de 1994 e que comemorava então os 25 anos desta Tuna.

Este reportório era, para lá de extremamente bem escolhido, equilibrado, eficaz, de grande qualidade no seu todo, eclético, extremamente fluído e acima de tudo, de grande exigência técnica (que os seus componentes então conseguiam cumprir com distinção e louvor). Ou seja, resultou no que todos sabemos (saberão, alguns....?): Onde Medicina de Múrcia ia, limpava tudo tipo furacão Katrina. E note-se sempre que falamos de uma tuna espanhola, atenção, não esquecer. Se repararmos, já fugia este reportório ao habitual "Clavelitos & Fonseca e cª ldª" da esmagadora maioria das tunas espanholas. Ainda hoje seria um caso sério, se fosse tocado pelos mesmos componentes de então. Note-se, pelos mesmos componentes de então.

Este exemplo serve como uma luva para se perceber algumas coisas desde logo:

A hibernação criativa nas tunas nacionais é um facto, principalmente naquelas tunas que sabem que o reportório que tiveram em tempos, mais coisa menos coisa, funcionará apesar de tudo. E mesmo assim pode até nem funcionar. Naturalmente, nos (re)inícios da Tuna em idos do "boom" seria imperioso ter-se reportório, naturalmente, o que "obrigou" ao incremento do processo criativo, fosse pela via das versões ou originais; hoje, após alguns anos iniciais de processo criativo, quem chega ás tunas não precisa sequer, não sente sequer a necessidade de proceder à criação. Afinal, "hino da tuna" só há um e está feito. O problema é que aqueles 10 temas dos tempos da fundação servem, chegam perfeitamente, mais facelift menos peeling.

Não há qualquer comparação - regra geral - possivel entre o que se criou antes e após 1995, 1996, grosso modo. Aliás, o processo criativo entrou em hibernação de tal forma que a edição de trabalhos fonográficos após a 1ª geração do "boom" diminuíu drasticamente. Ou seja, fez-se um pouco como fez a Tuna de Medicina de Múrcia: Montou-se um espectáculo com 5, vá, 6 temas e cavalgou-se o mesmo reportório até ao infinito, até deixar de dar, até deixar de ter os que o conseguiam executar e por aí fora. O impasse começa precisamente neste ponto, quando os que levavam o reportório até ao infinito deixavam...de estar. É aqui o "break-even" desta questão, ou seja, onde supostamente o investimento estaria pago, em teoria. Mas não, nada disso, entrou-se ao invés em recessão.

Recessão porque deveria-se ter apostado na continuação de um trabalho essencialmente criativo - seja de versões, seja de originais, é indiferente aqui, também- por um lado, e por outro, facultar às gerações que iam chegando o que para trás foi feito, construíndo assim um capital acumulado e em crescimento, ou seja, criar novo e saber de cor o que de mais antigo havia. Na esmagadora maioria dos casos, aconteceu uma de duas coisas: ou se cavalgou o que havia antes - com cover´s, versões de versões, arranjos de arranjos e por aí fora, como ainda hoje se vê - esquecendo o processo criativo (porque mais trabalhoso e moroso, etc) ou se apostou - mais raro - em coisas realmente novas mas esquecendo o que para trás foi feito, ao ponto de as novas gerações saberem apenas 5 temas da sua tuna, precisamente os que estavam a rodar quando chegaram à mesma; no entanto, não sabem os 40 que para trás ficaram.

Actualmente assiste-se ao fenómeno mais do que previsivel da recuperação, até, de alguns dos tais 40 temas que para trás ficaram, com mais arranjo, menos arranjo, ao invés de se investir claramente no processo criativo. Os festivais mais recentes comprovam precisamente essa acomodação, essa não-novidade, essa repetição, que por sua vez comprova uma de duas coisas: a facilidade em pegar no que já está feito (e pergunto eu se uma versão de um tema que nunca foi tocado é mais trabalhoso do que fazer uma versão de um tema da própria tuna mas com uns valentes 15 anos em cima?) e a total incapacidade em trabalhar coisas novas, a fim de levar ao público...coisas novas. Curioso, logo numa época onde há paradoxalmente tanto, mas tanto tempo para inventar tanta cena freak para levar a palco.....

Não é tanto a hibernação criativa que critico, note-se; são antes as opções que são tomadas, as prioridades que se estabelecem e que são reveladoras, em grande parte dos casos, da real postura e intenções dos seus intervenientes. Falta gente para criar? Não, não acredito, acredito no oposto, que há hoje muito boa malta nova - tão a ver como os valorizo? - mais do que capaz e qualificada para criar boa música. O problema não é esse; o problema é que criar boa música não basta por si só para ganhar certames (erro crasso achar-se tal mas percebo face à paródia que se assiste de quando em vez...), mais vale investir num bom estendal da roupa pendurado num pau e tocar as mesmas cenas de há 20 anos atrás.....

Louvados sejam os que continuam a criar, a apostar no novo, a renovar reportório ciclicamente, a surpreender o publico seja de onde seja, nem que seja com um único tema novo; porque assim, não se saturam, não saturam os outros - público, entenda-se - surpreendem e surpreeendem-se, acrescentam mais background à própria tuna e todos, neste processo, ficam a ganhar. Antes, preparava-se a ida a um determinado evento de uma dada cidade com algo especial dedicado a ela, um bom exemplo de dinâmica criativa. Hoje, tirando um caso ou outro, é raríssimo isso acontecer. Claro que falo musicalmente, não de outras "paródias", note-se bem. Estou a falar de tunas, relembra-se. Os acessórios serão sempre acessórios, do principal, claro está.

A hibernação criativa é, lamentavelmente, um facto. Assumir tal é positivo desde que isso provoque uma mudança. Querem provocar a mudança? Que as organizações dos certames competitivos lançem desafios às tunas participantes realmente profiláticos e interessantes. Exemplo? Simples: "Obriguem" as tunas participantes a levar um tema que nunca tenham tocado, valorizem o mesmo - desde que bem tocado e cantado - na pontuação final e verão como desata tudo.... a criar. Quebrem esta hibernação criativa usando os festivais e com isso, mudando de alguma forma, até, o paradigma dos mesmos.

Seria, para lá de inteligente, um serviço a toda a comunidade tuneril nacional, estimular por via dos certames, a criação e valorizar a mesma. Mais, ao fazerem tal iriam provocar um efeito curioso: diminuir o excesso de importância que é - erradamente - dado às "javardices cénicas da moda". Era um dois em um. Pensem nisso....
 
(in http://asminhasaventurasnatunolandia.blogspot.com/2010/11/aventura-da-hibernacao-creativa.html, artigo de 5 Novembro 2010)