Sabias que existiram Festivais de Tunas...sem público?

17-04-2024

Sabias que existiram Festivais de Tunas...sem público?

Será pertinente que se contextualize historicamente, o período que marcou o surgimento do certame competitivo de Tunas - como funcionava o mesmo e, por outro lado, algum desmistificar de uma noção que "cola" a um determinado contexto político que não trouxe apenas desvantagens, mas também contributos efectivos ao fenómeno, como veremos adiante, sendo que alguns traços serão mais tarde importados por nós em Portugal.

 

A Tuna em si representava um colectivo potencialmente perigoso aos olhos da ditadura de Franco que, como todas as ditaduras, impôs um duro controle relativamente ao direito de associação e reunião, sobretudo se tivermos em conta as suas bases, ou seja, estar integrada por estudantes (eventualmente subversivos) e exercer o seu domínio quando o dia caí e a noite surge.


Deram conta, muito tarde, desta circunstância, as hierarquias do regime, e quando o quiseram fazer, já a Tuna gozava das simpatias dos cidadãos. Os que ainda eram meninos quando a guerra civil ( Espanha, 1936 a 1939) começou e, por tal, desconheciam a tradição, viam na Tuna uma curiosa novidade, em contrapartida, aos mais velhos, trazia recordações dos tempos de paz. O fenómeno agudizou-se com a proliferação inusitada de agrupamentos, juntamente com a vontade que tinham cada vez mais de difundir a sua arte para lá da fronteira dos Pirinéus para fugirem, assim, à guerra.


A contingência de que há Tunos contrários ao sistema procura-se controlar, por dentro do próprio grupo, exigindo como requisito de admissão que o candidato, além de ser universitário maior de 17 anos e menor de 27 e com suficientes conhecimentos musicais, careça de “nota desfavorável no expediente sindical” (art. 3º da Ordem de 12 de Novembro de 1955 núm. 195 (BOE 7 Dezembro 1955, referência Aranzadi 1672. Boletim de movimento núm. 642 de 1 de Dezembro, que pretendeu regular a própria organização e funcionamento das tunas).


Trata esta regulamentação outros temas que aparentemente parecem ser menores mas que pouco a pouco se revelam maiores, quando normalizam certos complementos do traje de Tuno, que identificam o seu proprietário, ou as insígnias que obrigatoriamente terão de usar na bandeira da Tuna.

 

Como se não bastasse, incide-se na necessidade de evitar dentro do possível a formação de Tunas de Faculdade ou Escola Especial, salvo em casos que circunstâncias especiais o aconselhem, devendo-se solicitar ao Serviço Nacional de Tunas a autorização respectiva (art 8º).

 

A Tuna de Ingenieros Tecnicos de Valência (Peritos Industriais) foi fundada em 1956, tendo sido a 1ª classificada dos Certames Nacionais em Oviedo nos anos de 1962 e 1965, bem como obtido o 2º lugar no Certame Nacional de Tunas de Córdoba, em 1964. Os participantes naqueles eventos relatam que existiam muitas diferenças entre os certames de então e os actuais, sendo que os certames dessa época eram realizados à porta fechada e com a única presença dos Jurados, sendo valorizada exclusivamente a qualidade musical das interpretações, sem que fosse permitido o mínimo devaneio humorístico, e frequentemente, com interpretações obrigatórias de música clássica (Beethoven, Mozart) inclusivamente com partitura (e aqui caí o mito que por cá vogou, que a Tuna não pode interpretar música dita erudita ou clássica..)

 

Um Decreto datado de 1955 dizia expressamente, então, que só poderia existir uma Tuna por cada Distrito Universitário espanhol - forma de organização geográfica universitária em Espanha, então - sendo que por força do mesmo muitas tunas surgidas começam a utilizar o termo Estudiantina para contornar o dito cujo decreto. As Tunas do S.E.U. - Sindicato Espanhol Universitário - levavam para as suas actuações ilusionistas, músicos profissionais, humoristas, etc, que matriculavam numa Escola ou Faculdade, para dar cumprimento à normativa legal vigente nessa época.

 

Aquando dos primeiros certames de tunas somente era permitida uma tuna por Distrito universitário – forma organizacional geográfica na Espanha universitária de então e que, hoje, não existe – e no caso de existirem várias no mesmo Distrito, ou se elegia criteriosamente a que ia ou se fazia um concurso, sendo que a que ganhava estaria presente no certame.


O 1º Certame de Tunas ocorrido no pós Guerra Espanhol, sob a alçada da Jefatura Nacional do então S.E.U. - Sindicato Espanhol Universitário - organização estudantil inserida na Falange Espanhola do Caudillo Franco, realizou-se em Madrid nos dias 5 e 6 de Março de 1945, tendo nele participado as então Tunas de Salamanca, Valência, Valladolid, Santiago de Compostela, Córdoba e Madrid.

 

O 2º certame realiza-se igualmente em Madrid mas 9 anos depois e o 3º em Cadiz, no ano de 1956. No Certame Nacional de Tunas celebrado em Saragoça, entre 16 e 19 de Março de 1959, a Tuna Cordobesa, verdadeira orquestra de câmara, onde figurava inclusivamente um ou outro instrumento não característico de Tuna, não alcançou nenhum dos troféus em disputa, no entanto o Jurado recordou que a Tuna de Córdoba é a melhor de todas as que desfilaram por estes concursos nacionais, mas não lhes foi adjudicado o 1º prémio, por não cumprirem com as normas estabelecidas (Diário de Córdoba – 20/3/1959).

 

As Tunas Universitárias do S.E.U. ofereceram alguns apontamentos e contribuições significativos:

 

Tornaram a Tuna mais popular difundindo-a, graças a uma enorme quantidade de edições discográficas que foram editadas nessa época e suas frequentes aparições em programas televisivos e filmes cinematográficos.


A maioria das músicas mais conhecidas foi criada nessa época.


Foi igualmente neste período que se juntou à indumentária de Tuno a Beca, que com o proliferar das Tunas de Faculdade, Escolas Especiais e Colégios Mayores, substituiu o laço que com a sua cor identificava os estudos que cada Tuno seguia.


As fitas (cintas) bordadas de cores várias como recordação feminina e que os Tunos pendiam das suas Capas, dando-lhes uma policromia muito superior àquela que tinham as Tunas antes da Guerra Civil, e cuja origem se encontra nas que os cavaleiros medievais recebiam das suas Damas.


Também surgiram neste período os símbolos ou escudos de distintos países ou cidades visitadas cozidos nas suas capas – influência da moda mochilera tão em voga então.


Lamentavelmente e em sentido oposto desapareceu hoje o Bicórnio, muito usado então e que hoje raramente é visto.


Quanto ao reportório, apresentavam temas ditos de Tuna, temas nacionais, peças de música clássica e temas do vasto folclore sul-americano. Esta variedade de estilos trouxe a normal variedade de instrumentos necessários para os executar. Normal era também o uso do acordeão, os violinos continuaram a ser usados, embora cada vez menos, e o Laúd aumentou de prestígio e importância.


O S.E.U. entendeu proteger a pureza instrumental das Tunas, autorizando a utilização única em concurso de Bandurrias, Laúdes, Bandolins, Guitarras, Violinos e Pandeiretas, devendo o Jurado do certame controlar se os instrumentos presentes em palco correspondiam ou não aos acima descritos.




RT / Rafael Asencio